CONTRATAÇÃO DE MÉDICOS ESTRANGEIROS E A ARBITRAGEM - DISCUSSÃO
11/09/2013

Câmara de Mediação e Arbitragem


JOSÉ NANTALA BÁDUE FREIRE

Muito se discute acerca do acordo firmado entre Brasil e Organização Panamericana de Saúde (OPAS), pertencente à Organização Mundial de Saúde (OMS), para contratação de profissionais estrangeiros, pelo governo brasileiro, na consecução de serviços médicos em território nacional, em razão da insuficiência no número de profissionais da área em nosso país.

Sem entrar no mérito da polêmica, mais precisamente se conforme a lei o termo de ajuste firmado pelo país, algo parece ter passado despercebido na comunidade jurídica, mesmo porque aparentemente apenas um detalhe diante da amplitude da discussão travada. No convênio celebrado entre a União e a OPAS/OMS, fez-se a seguinte disposição no trecho em que se define o modo de solução de controvérsias pactuado pelas partes:

“Cláusula Décima-Quinta: Do Foro – Toda desavença surgida entre as partes na aplicação dete Termo e que não possa ser resolvida amigavelmente, será submetida a uma arbitragem, sendo o tribunal constituído por 3 (três) membros, sendo 1 (um) escolhido pelo Ministério, representando a União, outro pela Organização, e um terceiro selecionado de comum acordo pelas partes, que o presidirá. As normas e os procedimentos do tribunal arbitral serão decididos pelos árbitros em comum acordo, sendo a sua decisão caracterizada como final e inapelável”.

Portanto, as partes elegeram a Arbitragem como meio aplicável para a solução de controvérsias entre ambas. Até aí nada de novo, afinal se trata de um instrumento firmado entre dois braços da Organização das Nações Unidas (ONU), de um lado o Brasil, Estado-Membro desta Organização, de outro um organismo internacional de promoção de saúde, a OPAS. Entretanto, referente ao texto da cláusula acima, a princípio o erro é de ordem técnica. Restou expresso que as partes, apesar de escolherem a Arbitragem como meio para solução de eventuais litígios oriundos desta contratação, não apontaram um centro de solução de controvérsias específico, mas, sim, optaram por um sistema ‘ad hoc’.

Diante disso, caso haja a necessidade de se recorrer à Arbitragem, as partes terão problemas a resolver, provavelmente de forma litigiosa, desde o início. Os debates podem iniciar desde a forma de se notificar à outra parte da intenção de submeter o litígio ao Tribunal Arbitral, até a própria administração do conflito pelo Tribunal Arbitral, passando ainda por qual seria a lei aplicável e o próprio idioma a ser adotado.

Apesar destes problemas de ordem técnica, um questionamento que parece ser mais interessante neste caso é o seguinte: porque o Brasil e a ONU não escolheram, para dirimir controvérsias oriundas deste contrato, instituições como a Corte Permanente de Arbitragem (da qual nosso país é membro desde 06 de Março de 1914 e que está inserida no sistema das Nações Unidas), que além de dar maior segurança jurídica ao contrato, também dispõe de regras procedimentais específicas para arbitragens havidas entre organizações internacionais e nações?

A princípio, duas parecem ser as respostas mais verossímeis (e que são muito mais políticas do que técnicas): a) o momento não permitiria uma maior negociação sobre qual seria a instituição eleita para atuar na resolução de eventual litígio e, por isso, se preferiu adotar uma cláusula vazia, ou; b) as partes não dispunham, à época da assinatura do termo, de grande interesse em definir uma instituição e um procedimento específicos, justamente para dificultar a resolução do contrato por este meio, privilegiando sempre a negociação ao invés de decisões jurídicas que investiguem o mérito e se aprofundem nos “porquês” de sua celebração.

Prefere-se, evidentemente, que a resposta real seja a descrita no item “a”, acima. Como diriam os penalistas, tratar-se-ia assim de mera culpa stricto sensu. Todavia, suspeita-se deveras da possibilidade de que, intencionalmente, se engendrou a segunda hipótese, até mesmo porque decisões jurídicas parecem ser evitadas por países cuja política é eivada de um personalismo enraizado, em que se prefere resolver tudo de forma imediatista ao invés de se buscar, a luz do direito e da justiça, a sustentabilidade da medida.

José Nantala Bádue Freire - advogado da área cível do Peixoto & Cury Advogados, pós-graduado em Direito Europeu pela Universidade de Coimbra e mestrando em Direito Internacional pela Universidade de São Paulo (USP) – josenantala.freire@peixotoecury.com.br