Democracia e acesso à justiça no processo eletrônico

1. Introdução

Diante da autorização, pela Lei n. 10.259, de 12 de julho de 2001, para a utilização de meios eletrônicos no curso de processos vinculados aos Juizados Especiais Federais – criados pelo mesmo diploma legal – o Tribunal Regional Federal  a 4a Região (TRF4) editou, entre outros regulamentos, a Resolução n. 13, de 11 de março de 2004, que implantou, no âmbito dessa Corte, o sistema do processo eletrônico. Tal regulamento previu, em seu art. 2o, que "a partir da plantação do processo eletrônico somente será permitido o ajuizamento de causas pelo sistema eletrônico"1. Registre-se, nesse ponto, que a referida Lei n. 10.259/01 somente refere-se a meios eletrônicos ao tratar, em seu art. 8o, da intimação de sentenças, autorizando, também ali, a recepção de petições por meio eletrônico2. Inexiste qualquer referência a autos eletrônicos, virtuais ou coisa do gênero, como, também, não o há em qualquer outro diploma legal.

A Resolução n. 13/2004 traz a solução para as situações em que o advogado, não dispondo de meios para acessar o sistema, comparece à Justiça Federal a fim de ajuizar ou dar andamento às suas ações judiciais. Prevê que "em cada Subseção Judiciária será instalada uma sala de auto-atendimento, com acesso a sistema de escaneamento e computador ligado à rede mundial para uso dos advogados e procuradores dos órgãos públicos e consulta pelas partes"3. Determina o regulamento, também, que "se a parte comparecer pessoalmente, o seu pedido poderá ser reduzido a termo eletronicamente por servidor do Juizado Especial Federal"4.

Tal sistema, evidentemente, não tem como objetivo ser utilizado pelo público em geral – não profissionais do Direito, senão quando representado por advogado, ou, eventualmente, nos casos previstos de atermação5 por servidor. É do próprio texto do regulamento a previsão de que "são considerados usuários do Sistema os advogados, procuradores, serventuários da Justiça e magistrados..."6.

Ainda mais recentemente, o TRF4, encabeçando um movimento nacional da Justiça Federal no sentido de implantar o processo eletrônico nos Juizados Especiais Federais – o que se pode verificar pelo apoio a tal iniciativa pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), pelo Conselho de Justiça Federal (CJF) e pelo STF, que, inclusive, tem noticiado a possibilidade de utilização de tal sistema –, publicou a Resolução n. 75, de 16.11.2006. Em tal regulamento, fica determinada, a partir de 31.03.2007, a utilização do processo eletrônico para todas as ações de competência dos Juizados Especiais Federais da 4a Região. Entre as justificativas para tal implantação, fechada a exceções, está, conforme os seus próprios termos, "o inevitável avanço da virtualização do processo, tema objeto, inclusive do Projeto de Lei n. 5.828/2001, Substitutivo n. 71/2002, em trâmite no Senado".

Enfim, o discutido sistema está em plena utilização, havendo vários processos em curso em meio estritamente digital. Conforme consulta a relatórios daquela ferramenta, são mais de 143.000 processos já distribuídos, entre as três Seções Judiciárias da 4a Região (Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina). Isso sem falar da utilização nos demais Estados brasileiros. Não há, pois, que se discutir a validade e a utilidade do sistema, ultrapassado que vai estar o tema da legalidade.

Diante disso esse trabalho tem o objetivo de avaliar o processo eletrônico, sistema já implantado na Justiça Federal de Primeiro Grau da 4a Região – e que vem sendo implantado no restante do país, bem como em instâncias superiores – como ferramenta para o ajuizamento de demandas de competência dos Juizados Especiais Federais. Parte-se do pressuposto de que, para a efetivação da democracia, é imprescindível a possibilidade de participação e o acesso de todos os cidadãos, indistintamente, aos meios disponibilizados pelo Estado Democrático de Direito para os fins que o justificam – bem como as obrigações daí decorrentes, para cidadãos e para o Estado. Isso sem perder de vista as divergências teórico-doutrinárias e históricas entre o “acesso à justiça”, enquanto sistema pelo qual se possibilita às pessoas, sem restrições, a reivindicação de seus direitos ou a solução de litígios, sob a tutela do Estado, com resultados individual e socialmente justos, e esse mesmo acesso como o mero direito formal do indivíduo agravado de propor ou contestar uma ação, como já destacavam Cappelletti e Garth (1988). Verificou-se, pois, considerando que o referido sistema tem sido implantado em caráter exclusivo para a propositura de ações, excluindo-se o meio tradicional, se existe, no processo eletrônico, a efetivação do acesso à justiça.

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- Democracia e acesso à justiça no processo eletrônico
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Gustavo André Eckhard - Especialista em Administração da Justiça (Escola de Administração da UFRGS). Email: gustavoeckhard@terra.com.br. Clezio Saldanha dos Santos - Doutor em Administração (Universidade Federal da Bahia), Professor do Programa de Pós-Graduação em Administração da UFGRS. Email: cssantos@ea.ufrgs.br